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Relativização das cotas de empregados PCDs e jovens aprendizes em atividades de risco

A cota de aprendizagem foi estabelecida pelo artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para empresas de médio e grande portes contratem aprendizes, no percentual de 5% a 15% do total de seus empregados, cujas funções demandem formação profissional, regulada pelo artigo 10 do Decreto nº 5.598/2005, sendo esta uma grande conquista visando inclusão de menores no mercado de trabalho.

Neste sentido, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) não pode ser aplicada sem adequação do texto legal à realidade posta, não sendo um rol taxativo, mas exemplificativo, muitas profissões são incompatíveis com o serviço de menor aprendiz, seja por ausência de qualificação ou o seu risco propriamente dito.

Posto isto, o próprio artigo 53, inciso I do Decreto nº 9.579/2018 permite que menor aprendiz só pode exercer atividade insalubre e periculosa se tiver mais de 18 anos e trabalhe internamente dentro da empresa, excluindo assim menores aprendizes das atividades de vigilantes e transporte de valores, pois estas funções são exercidas em ambientes externos, em quase sua totalidade.

Ainda, para exercício da função de vigilante, se faz necessário cumprir vários requisitos previstos na Lei nº 7.102/1983, como ter 21 anos, aprovação no curso de formação, regularidade nos exames de saúde física, mental e psicotécnico, não ter antecedentes criminais, dentre outras especificações, e nestas atividades, muitas vezes ele portará arma de fogo e será responsável por defender pessoas e o patrimônio alheio, atividades de extremo estresse e perigo.

Como poderia um menor aprendiz, que cumprisse com todos estes requisitos aos 21 anos de idade, optar por se tornar um aprendiz, quando já teria galgado etapas que o qualificam para o desempenho pleno da atividade de vigilância?

Formação técnica e treinamento

Em verdade, o vigilante é um profissional com formação técnica e treinamento específico, conforme determinações contidas na Lei nº 7.102/83 e Portaria 387/06, em cursos homologados pelo Ministério da Justiça, além de autorização especial conferida pela Polícia Federal (Carteira Nacional de Vigilante), o que por si só deveria ser suficiente para afastar a incidência da cota sobre tais profissionais.

Em razão disto, muitas normas coletivas já excluem os vigilantes da cota para contratação de menores aprendizes, como a Convenção Coletiva do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte de Valores no Estado de São Paulo, sendo oportuna a transcrição de sua cláusula quadragésima terceira:

CLÁUSULA QUADRAGÉSIMA TERCEIRA – DA CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES: Considerando a tipicidade das atividades dos vigilantes, o risco que a função representa, a necessidade do pré-requisito da função, aprovação em curso de formação e reciclagem periódica profissional, o disposto no artigo 405, inciso I da CLT, o disposto no artigo 67, inciso II do ECA e o disposto no artigo 16, incisos II e IV da Lei nº 7.102/83, as partes reconhecem que os empregados que executam as funções de vigilantes devem ser excluídos da base de cálculo utilizada para apuração da quantidade de aprendizes a serem contratados.

Esta cláusula, acordada em norma coletiva, solucionou um problema de todas as empresas de transporte de valores, pois mais de 85% de sua mão de obra é constituída, exclusivamente, de vigilantes, ressalvando que as empresas de transporte de valores, possuem setor administrativo enxuto, que impossibilita a absorção destes jovens aprendizes.

Validade das normas coletivas

Ainda, com a implementação desta exclusão do vigilante para compor o cálculo da cota de aprendizes, por norma coletiva, tanto os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e mesmo o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em algumas demandas, reconheceram a validade de tais normas coletivas que relativizaram os parâmetros de aferição da cota, tudo com amparo no artigo 611-A da CLT e artigo 7º, XXVI da Constituição, reconhecendo que o convencionado tem prevalência sobre o legislado.

A necessidade de provimento das ADIs nº 7668 e nº 7693, visa a trazer segurança jurídica, pois existem algumas decisões, tanto dos TRTs quanto do TST, que por entender que cota de aprendizagem é matéria de ordem pública, não podendo ser relativizada por norma coletiva, desrespeitando a previsão do artigo 611-A da CLT e o artigo 7º, XXVI da Constituição.

Neste sentido, diversos Tribunais Regionais do Trabalho, como o TRT da 9ª Região, no Paraná, que reconheceu em situação análoga a necessidade de exclusão dos motoristas profissionais na base de cálculo para pessoas com deficiência (PCDs) e jovens aprendizes, sem mesmo necessitar de norma coletiva, por ser uma medida mais razoável e adequada ao caso concreto. Veja nos trechos abaixo transcritos:

“(….)

No caso dos motoristas de transporte de cargas, a atividade é incompatível com a contratação de pessoas com deficiência, tendo em vista os riscos inerentes à função e à necessidade de condições físicas e habilitação profissional específicas, em observância aos princípios da igualdade substancial e não discriminação.

(…)

Ademais, a própria natureza da atividade de motorista de cargas, envolvendo riscos elevados e jornadas incompatíveis com as limitações do contrato de aprendizagem, torna inviável a contratação de aprendizes para esse fim. Assim, é plenamente possível e justificada a exclusão dos motoristas da base de cálculo das cotas para pessoas com deficiência e aprendizes, à luz da legislação vigente e dos princípios norteadores da matéria. Sentença reformada.” (TRT-9 – ROT: 00009572120235090195, Relator: JANETE DO AMARANTE, Data de Julgamento: 18/07/2024, 7ª Turma)

Assim, se para motoristas existe a possibilidade de exclusão para a fixação da cota de PCDs e aprendizes, para funções consideradas de maior risco, que muitas vezes envolvem o porte e manuseio de arma de fogo, como vigilantes, tem-se como no mínimo razoável a exclusão de tal cota, como pretende as mencionadas ADIs.

Posto isto, o escopo da lei de aprendizagem é a inclusão e inserção dos jovens no mercado de trabalho, conforme o já citado artigo 53 do Decreto 9.579/2018, impedindo seu trabalho em atividades que o exponha a risco, inclusive diante de sua inexperiência profissional.

Assim, deverá o provimento das ADI nº 7.668 E ADI nº 7.693 trazer segurança jurídica, impedindo que as empresas de vigilância e/ou transporte de valores sejam punidas por necessitarem de profissionais especializados, protegendo empregadores, empregados, aprendizes e assegurando as boas práticas de segurança do trabalho.

Cota de PCD e atividade de risco

Quanto à cota de PCDs, o provimento das ADI nº 7.668 E ADI nº 7.693 também é fundamental, visto que a aplicação das cotas de pessoas com deficiência para empresas que atuam em setores de risco, como vigilância e transporte de valores — tendo em vista que o artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, ao determinar que empresas com 100 ou mais empregados preencham de 2% a 5% de seus cargos com trabalhadores reabilitados ou PCDs, visando sua inclusão no mercado de trabalho —, não pode colocar estes empregados em atividades que comprometam sua integridade física e segurança.

A aplicação rígida dessa exigência em atividades de risco, como a função de vigilante, apresenta um desafio prático e injusto, tanto para os empregadores quanto para os PCDs, pois embora a legislação não contemple exceções específicas para atividades de risco, o direito à saúde e à segurança no trabalho, assegurado pelo artigo 7º da Constituição, pode ser invocado para justificar a relativização dessa obrigação.

Ainda, as empresas que prestam serviços de vigilância e de transporte de valores, devido ao risco da atividade, devem ponderar sobre as condições de trabalho desses empregados, evitando colocá-los em atividades que agravem suas limitações e os coloquem em risco.

A exclusão dos vigilantes do cálculo para cota de PCDS, especialmente os vigilantes armados, é medida razoável, justa e de acordo com finalidade da lei, que é a inclusão, pois o risco da atividade não é compatível com as possíveis limitações, não sendo responsável com a saúde e a segurança destes trabalhadores as empresas que os colocarem deliberadamente em atividade de risco.

Assim, será necessário que seja interpretada a Lei nº 8.213/91 e o Decreto 3.298/99 de forma teleológica, buscando sua finalidade, a inclusão, e não aplicando a letra da lei de forma fria e excludente.

Conforme mencionado, em decisão no processo 0000957-21.2023.5.09.0195, que excluiu motoristas profissionais das cotas de PCDs e aprendizes, sendo que se ela é aplicável para motoristas, muita mais válida para vigilantes armados, dada a maior periculosidade da função.

Ainda, a impossibilidade de se acolar PCDs em determinadas atividades de risco será medida de justiça o reconhecimento constitucional que prevê que a exclusão de vigilantes das cotas de PCDs ou, ao menos, a adaptação proporcional dessas cotas.

As cotas de PCDs e de jovens aprendizes são instrumentos importantes de inclusão no mercado de trabalho. Contudo, é necessário ponderar os riscos envolvidos em determinadas atividades empresariais, garantindo que a inserção desses trabalhadores ocorra em um ambiente seguro e apropriado, razão pela qual o provimento das ADIs nº 7.693 e nº 7.668 se faz necessário como medida que garanta a inclusão destes trabalhadores e os protejam de atividades de risco, preservando sua segurança e sua saúde no ambiente de trabalho.

Por: Francisco Ferrer e Eduardo Soares – especialistas em Direito do Trabalho para o Conjur.

Fonte: Relativização das cotas de empregados PCDs e jovens aprendizes em atividades de riscohttps://www.conjur.com.br/2024-nov-02/relativizacao-das-cotas-de-empregados-pcds-e-jovens-aprendizes-em-empresas-com-atividades-de-risco/