Foi noticiado pela imprensa no final de junho [1] que magistrada atuante na 2ª Vara da Comarca de Mogi Mirim (SP) proferiu decisão judicial em processo criminal em fase de execução, com base no fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) [2], órgão colegiado responsável pelo julgamento em segunda instância administrativa de processos de natureza fiscal-aduaneiro na esfera federal, para decretação de extinção da punibilidade pela prática de crime contra a ordem tributária, mais precisamente o crime do artigo 1º, I, da Lei 8.137/90.
Essa decisão, que o advogado responsável pelo pedido afirma não conhecer outra semelhante, tem como ineditismo o fato de a extinção da punibilidade ter como base o fim da prática do chamado voto de qualidade.
Para esclarecer, o voto de qualidade era aquele proferido pelo presidente da turma, representante da Fazenda, em caso de empate no julgamento, lembrando que as turmas do Carf são formadas por igual número de representantes da Fazenda e dos contribuintes.
No caso acima citado, o executado perdeu o processo no Carf com base no voto de qualidade, todavia se esse julgamento tivesse ocorrido hoje ele teria ganho o recurso, e não teria contra si um processo criminal de natureza tributária em que restou condenado.
Essa impossibilidade de sofrer um processo criminal com base no artigo 1º da Lei 8.137/90, por ter tido o contribuinte um resultado favorável na esfera administrativa, encontra supedâneo na Súmula 24 do STF [3], inclusive sendo esta citada na decisão judicial.
Ademais, a juíza também utilizou como fundamento para sua decisão um princípio do Direito Penal chamado abolitio criminis.
Esse princípio determina que quando uma lei penal for extinta, o crime de que ela trata também deixará de existir.
Como efeito prático, a abolitio criminis leva qualquer investigação criminal, processo criminal em curso, ou mesmo aquele em que o réu já foi condenado sem possibilidade de recorrer, o chamado trânsito em julgado, a ser extinto.
No caso em discussão, o possível ineditismo da decisão está exatamente nesse ponto, pois o que foi extinta não foi uma lei de natureza penal, mas, sim, uma lei que tratava de um procedimento, o voto de desempate no Carf, mas que influenciava totalmente a possibilidade de existência ou não de processo criminal com base no artigo 1º da Lei 8.137/90.
Por derradeiro, necessário ressaltar que tal decisão, que aparentemente é inédita, é de primeira instância, sendo necessário a propositura de outros pedidos de natureza semelhante com decisões no mesmo sentido, além de eventuais reexames em instâncias superiores, para podermos afirmar a existência de um entendimento jurisprudencial sobre a possibilidade de extinção da punibilidade pela abolitio criminis em alteração de matéria administrativa, fim do voto de qualidade, com influência direta em demanda de natureza criminal-tributária.
[1] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/06/23/justica-anula-condenacao-penal-de-contribuinte.ghtml.
[2] Lei nº 13.988/2020, que incluiu o artigo 19-E na Lei nº 10.522/2002.
[3] Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.
Por: Flavio Eduardo Cappi é advogado do escritório Weiss Advocacia, especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas/GVLaw (2008) e pós-graduado em Direito Ambiental Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/GVLaw (2009).
Fonte: https://www.conjur.com.br/2021-jul-26/cappi-fim-voto-qualidade-extincao-punibilidade-criminalhttps://www.conjur.com.br/2021-jul-26/cappi-fim-voto-qualidade-extincao-punibilidade-criminal