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Funcionária descobre demissão por notificação do app da Carteira de Trabalho Digital; especialistas comentam

Post viralizou e reacendeu discussão sobre transparência e gestão de pessoas na era digital

Por Felipe Lessa

04/11/2025 11h25  Atualizado há 2 horas

Uma usuária do X, identificada apenas como Mariana, contou que descobriu ter sido demitida por meio de uma notificação no aplicativo da Carteira de Trabalho Digital. Na legenda, ela ironizou: “quando você descobre sua demissão pelo app aí vc faz o L”. No print é possível ver o nome da autora do post e parte do CPF. Segundo o perfil na rede social, ela é de Maceió (AL). Procurada por PEGN, ela não comentou o caso.

O post rapidamente viralizou e já ultrapassa 4 milhões de visualizações, gerando debate entre profissionais e especialistas: afinal, uma empresa pode demitir alguém apenas por meio da Carteira de Trabalho Digital?

De acordo com especialistas ouvidos pela PEGNa resposta é não.

A advogada trabalhista do escritório Weiss Advocacia Taís Tricai explica que o registro da baixa na Carteira de Trabalho Digital tem apenas função administrativa, servindo para atualização do eSocial e comunicação aos órgãos trabalhistas — mas não substitui a comunicação formal da rescisão.

“A CLT, aliada ao princípio da boa-fé contratual, exige que a demissão seja comunicada de maneira inequívoca e direta. A simples anotação da baixa na CTPS Digital é um registro administrativo, não uma comunicação”, afirma Tricai.

O advogado especializado em direito do trabalho Arthur Felipe Martins concorda e reforça que o aplicativo “serve para que o empregado tenha acesso fácil ao histórico e integração com o eSocial”, mas que um registro de demissão ali não chega nem a ser uma comunicação. “É como se o empregado fosse demitido sem nem ser avisado”, explica. Ele lembra que o contrato de trabalho é uma relação entre pessoas, e que o uso de ferramentas digitais não elimina o dever de diálogo e respeito.

“Ainda que a empresa use sistemas eletrônicos, o ato de demitir continua sendo um ato humano. É preciso que o trabalhador seja informado claramente do motivo e das condições da rescisão”, diz Martins.

Para o advogado trabalhista Fernando Viggiano, a comunicação da dispensa exclusivamente por meio digital é juridicamente insuficiente.

“A CTPS Digital é instrumento de registro e publicidade formal, não se confunde com o ato comunicativo em si. A dispensa exige manifestação inequívoca de vontade do empregador, preferencialmente documentada e comunicada de forma expressa, sob pena de violação ao princípio da boa-fé”, explica.

Apesar de não existir um modelo único previsto em lei, os três especialistas concordam que a empresa precisa garantir que o empregado tenha ciência formal do desligamento. Isso pode ocorrer presencialmente, por e-mail, carta registrada, mensagem em aplicativo corporativo ou reunião online — desde que haja registro documental que comprove o envio e o recebimento da comunicação. “O importante é que a demissão seja clara e respeitosa, em ambiente privado e sem exposição do empregado”, reforça Martins.

Tricai acrescenta que a dispensa deve sempre ocorrer “de forma inequívoca e respeitosa, seja presencial ou remota”, lembrando que os tribunais têm aceitado diversos meios, desde que rastreáveis e documentados. Já Viggiano ressalta que o descumprimento desses cuidados pode ensejar indenização por dano moral, especialmente se a demissão ocorrer “de forma abrupta, impessoal ou vexatória”.

O avanço das plataformas digitais e a integração de sistemas como o eSocial trouxeram agilidade aos processos trabalhistas, mas também novos dilemas éticos e jurídicos. “A tecnologia tem função apenas de registro administrativo, e não de aviso”, observa Tricai. Para Martins, “a demissão que antes gerava dano moral por ser feita na frente de todos, hoje pode gerar o mesmo efeito se for feita em um grupo de WhatsApp — o que, no mundo atual, é equivalente”.

Se o trabalhador se sentir lesado, há caminhos possíveis. Tricai recomenda tentar resolver primeiro diretamente com a empresa, pedindo esclarecimentos por escrito. Persistindo o problema, ele pode denunciar ao Ministério do Trabalho pelo portal gov.br, procurar o sindicato da categoria ou ajuizar uma reclamação trabalhista. Viggiano complementa que, em caso de conduta recorrente, o Ministério Público do Trabalho também pode intervir, além de a Justiça poder reconhecer nulidade da dispensa ou condenar o empregador ao pagamento de indenização.

Para os especialistas, o episódio de Mariana serve de alerta às empresas que têm adotado processos cada vez mais automatizados: “a tecnologia é instrumento de gestão e transparência, não substituto da relação interpessoal. A decisão de demitir alguém continua sendo um ato que exige formalidade, clareza e respeito”, conclui Tricai.

Fonte: Funcionária descobre demissão por notificação do app da Carteira de Trabalho Digital; especialistas comentam | Redes sociais | PEGNhttps://revistapegn.globo.com/redes-sociais/noticia/2025/11/funcionaria-descobre-demissao-por-notificacao-do-app-da-carteira-de-trabalho-digital-especialistas-comentam.ghtml