O ambiente de trabalho moderno tem exigido flexibilidade e adaptação dos empregados frente às transformações organizacionais. Nesse contexto, surge uma importante discussão no âmbito do Direito do Trabalho: quando as novas atividades caracterizam acúmulo de função – com direito a adicional remuneratório – e quando se trata de uma ampliação natural das atribuições do cargo?
O acúmulo de função ocorre quando o empregado passa a desempenhar, de forma habitual e permanente, tarefas adicionais que não estavam previstas em seu contrato de trabalho e que são claramente distintas das suas funções originais, gerando adicional, conforme o artigo 457 da CLT. Por outro lado, a ampliação natural de atribuições ocorre quando as novas tarefas estão relacionadas, ainda que indiretamente, com a função original do empregado, não representando um desvio de função ou aumento relevante de responsabilidade.
A jurisprudência trabalhista tem evoluído para reconhecer que nem toda ampliação de atribuições configura acúmulo de função, principalmente as pequenas tarefas complementares, quando compatíveis com a função. Por outro lado, a atribuição de funções distintas, com aumento de responsabilidade ou jornada, pode sim justificar o adicional.
Alguns exemplos práticos nos tribunais ajudam a compreender a diferença: recepcionistas que organizam documentos ou operadores de caixa que abrem a loja realizam atividades correlatas. Já casos como estoquistas que atuam como motoristas ou auxiliares administrativos que assumem funções de analistas indicam acúmulo. A compatibilidade técnica e a habitualidade são determinantes.
Esse cenário demonstra uma maior maturidade na aplicação da norma trabalhista, valorizando a realidade do ambiente empresarial e os princípios da boa-fé e da razoabilidade na execução do contrato de trabalho.
A análise probatória é o elemento central nas ações judiciais sobre acúmulo de função. Apesar da responsabilidade de apresentar essa prova seja do empregado (art. 818 da CLT, I), empresas com documentação frágil podem ser prejudicadas. Por isso, contratos bem redigidos, descrições atualizadas de cargo, registros de rotina e manuais são essenciais para demonstrar a legalidade das funções exercidas.
Além da prova documental, a prova oral é estratégica: testemunhas com conhecimento direto da rotina do empregado fortalecem a narrativa empresarial. Colegas, gestores e profissionais de RH que atestam a compatibilidade entre as funções desempenhadas e o contrato firmado geram segurança. A coerência entre prova oral e documental é fundamental.
Para evitar conflitos judiciais, recomenda-se: definir expressamente em contrato as atividades correlatas permitidas; manter descrições de cargo atualizadas; registrar a rotina funcional; e adotar políticas claras de evolução funcional. Gestores também devem ser treinados para compreender os limites da multifuncionalidade e evitar atribuições informais que alterem a essência do cargo.
A atuação preventiva integrada entre Jurídico e RH também é essencial. Acompanhamento contínuo da rotina funcional, alinhamento entre contrato e prática e atualização conforme a jurisprudência fortalecem a governança e reduzem riscos. O jurídico passa a antecipar distorções e orientar decisões estratégicas e não apenas agir depois que um processo judicial já começou.
Distinguir corretamente o acúmulo de função da ampliação natural exige atenção ao caso concreto, à habitualidade e ao grau de responsabilidade exigido. Mais do que uma defesa em juízo, trata-se de adotar uma cultura organizacional transparente, legalmente segura e alinhada à evolução institucional da empresa.
* Bruna Carbajo e Taís Tricai são advogadas trabalhistas do escritório Weiss Advocacia
Fonte: https://vocerh.abril.com.br/politicasepraticas/acumulo-de-funcao-ou-ampliacao-de-tarefas-entenda-a-diferenca/