O alto poder de disseminação da internet, fortalecido pelas redes sociais, leva-nos a questionar alguns aspectos do Direito. No presente artigo, debatemos a possibilidade de registro como marca das novas palavras e expressões criadas e difundidas via mídias sociais.
Antes, faz-se necessária uma breve explicação sobre o nascimento dessas novas palavras e expressões. Termos como cringe, hitar, hype, sextou, iti malia etc, são, na verdade, neologismos.
O neologismo é um recurso linguístico intrínseco à própria linguagem. Ocorre porquê a língua é fenômeno vivo e que, como instrumento de comunicação, tem como função representar a realidade de determinado grupo de falantes, expressando objetos e conceitos que vão surgindo.
Podem ser oriundos de imitação de sons; derivações ou composições de palavras já existentes ou emprestadas de outras línguas. Às novas palavras são atribuídos significados próprios ou diversos dos que originalmente possuíam.
Nesse contexto, é impossível não lembrar dos neologismos tão poéticos, frutos da genialidade de João Guimarães Rosa que nos maravilha tanto, sobretudo na sua obra prima alçada à clássico da Literatura Mundial, Grande Sertão: Veredas.
Com sua grandiosidade, o autor serve-se de neologismos inclusive através do emprego de palavras cujos sentidos são transmutados metafórica e semanticamente e que nós leitores, como se estivéssemos sob um encantamento, os compreendemos prazerosamente.
Diadorim tinha morrido – mil-vezes-mente – para sempre de mim; e eu não sabia, e não queria saber, meus olhos marejaram. (Rosa, 19. ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p.612)
O aparecimento de novas palavras e expressões pode dar a falsa impressão de que o uso exclusivo deve ser concedido àquele que as criou ou mesmo àquele que, antes dos outros, procurou registrá-las como marca.
Não obstante o esforço criativo e a engenhosidade por trás dessas criações, é exatamente o sucesso delas exprimido na difusão de uso e aplicação que pode impossibilitar tal registro.
Melhor dizendo, não é o simples aparecimento de novas palavras e expressões, muito menos o fato de serem propagadas amplamente via redes sociais, que possuem a prerrogativa de serem registradas como marca.
Marca é o sinal que distingue um produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim. O artigo 122 da Lei de Propriedade Industrial estabelece que são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis e que não estão compreendidos nas proibições legais.
Em primeiro lugar, portanto, para almejar o status de marca registrável, a nova palavra ou expressão tem que estar aplicada à um produto ou serviço, pois seu encargo como marca será identificar aquele produtor ou fornecedor de serviço, destacando-o dos demais concorrentes.
Em segundo lugar, tem que haver conformidade com os requisitos legais de possibilidade e impossibilidade de registro.
Dentre as proibições legais, o inciso VI do artigo 124 da mencionada Lei prevê que não são registráveis como marca o sinal de caráter genérico, necessário, comum ou vulgar. Exceção para quando forem revestidos de suficiente forma distintiva.
A explicação baseia-se no fato de que o registro de uma marca dá a seu titular a exclusividade de uso daquela palavra ou expressão. Nesse sentido, se tal palavra ou expressão forem de uso comum, não se poderia permitir que fosse concedido a uma única pessoa o direito de usá-la – o que poderia constituir-se em uma espécie de abuso.
As novas palavras e expressões acabam por aparecer, na maioria dos casos, espontaneamente, e são adotadas por determinado grupo ou comunidade. A verdade é que com o fenômeno das redes sociais, a divulgação desses termos tomou corpo e velocidade nunca antes vistos.
A incorporação das novas palavras e expressões ao léxico é muito rápida e muito arraigada, tornando bastante difícil que se mantenham satisfatoriamente inusitadas ou inabituais a ponto de não serem reconhecidas como de uso comum e aí sim passíveis de emprego e aplicação restrita por alguém, como uma marca, quando associadas a um produto ou serviço.
Nesse contexto, há um instituto jurídico interessante conhecido como secondary meaning, que ocorre quando a palavra ou expressão usada como marca, portanto na sua relação com o produto ou serviço oferecido, ganha outro significado que não o original, porém o significado original se mantém quando o uso desse termo se dá fora do enquadramento da relação com o produto ou serviço. É o caso das marcas POLVILHO ANTISSÉPTICO e A CASA DO PÃO DE QUEIJO.
A distintividade daquelas expressões foi adquirida em razão da íntima vinculação com os produtos ou serviços oferecidos e se dá de tal forma que o consumidor é capaz de reconhecer e individualizar o produto ou o serviço naquela palavra ou expressão comum, que, assim, cumprem sua função de marca.
Não seria, em princípio, o caso dos neologismos, a não ser que os novos termos fossem capazes de serem suficientemente distintos e que conservassem seu caráter extraordinário, ou seja, se fossem capazes de destacar-se do uso comum. E isso deve ocorrer sempre na relação com o produto ou serviço que venham a designar.
Desse modo, ainda que a nova palavra ou expressão fosse aplicada à produto ou serviço, se for utilizada de forma comum e frequente pelos falantes daquela língua, não poderia ser de uso exclusivo de ninguém.
Embora as inovações trazidas pela internet provoquem-nos questionamentos naturais – e é bom que assim aconteça -, por muitas vezes encontramos as respostas em concepções já existentes, como o neologismo e os princípios que regem o Direito Marcário.
Obviamente, os conceitos aqui levantados são muito mais ricos e profundos, mas a ideia do presente artigo, ao abordá-los, é exatamente evidenciar a importância de serem considerados quando da intenção de registro de uma marca, em especial quando se tratar de uma nova palavra ou expressão difundida pelas mídias sociais.