Por volta das 15h da segunda-feira da semana passada (8/3), de forma inesperada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a ficar elegível: o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a 13ª Vara Federal de Curitiba é incompetente para julgar os casos do petista.
Por isso, anulou as condenações de Lula, e determinou que os processos devem ser reiniciados na Justiça Federal do Distrito Federal. A decisão, além de abalar o mundo político, criou um conflito interno no Supremo, isso porque Fachin decidiu pela perda de objeto de todos os habeas corpus de Lula no Supremo, incluindo o que se questiona a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro.
O ministro GIlmar Mendes, que estava com vista do HC da suspeição de Moro, resolveu levá-lo para a 2ª Turma na última terça-feira (10/3). Por 4 votos a 1, os ministros decidiram que o caso da suspeição deve ser julgado, mesmo após a anulação das condenações de Lula devido à incompetência do juízo.
E a diferença entre declarar a incompetência e a suspeição não é meramente formal: no segundo caso, o ex-presidente sai mais beneficiado, já que nenhum ato de Moro poderia ser aproveitado pela Justiça do Distrito Federal. Em outra frente, a declaração de suspeição ainda desgasta Moro politicamente.
O que é incompetência e implicações no caso Lula
O advogado criminalista Flavio Eduardo Cappi, do escritório Weiss Advocacia, explica que a declaração de incompetência é uma exceção prevista no Código de Processo Penal, e a primeira regra que define onde será julgado um processo é a questão da territorialidade.
“Em que local aconteceram os fatos. Nesse caso específico da Lava Jato, como era um processo com muitas partes e muitos tipos penais diferentes, ficava difícil para tentar estabelecer essa regra. O CPP permite que se utilize a conexão onde se concentra os processos por ter havido uma vítima que seria a Petrobras”, afirma. “No caso do julgamento do habeas corpus foi declarado a incompetência porque não ficou claro para o ministro Edson Fachin que os processos do ex-presidente Lula teria conexão direto com a Petrobras e por isso Curitiba não seria competente territorialmente e o caso foi levado para Brasília”.
Pela decisão de Edson Fachin, ficam anulados os atos decisórios, inclusive o recebimento das denúncias, praticados nas ações do sítio de Atibaia, triplex do Guarujá, terreno do Instituto Lula e das doações ao Instituto Lula, ações que tramitavam na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Mas o ministro ressalta que a Justiça Federal do DF deverá decidir sobre a possibilidade da convalidação dos atos instrutórios. Ou seja, o novo juiz que ficará responsável pelos casos de Lula poderá decidir se aproveita atos já feitos por Moro e outros juízes da 13ª Vara na fase inicial do processo.
Na prática, pela decisão de Fachin, o juiz poderá reaproveitar depoimentos e provas produzidas com autorização de Curitiba, diminuindo o tempo da fase de instrução. Com isso, uma nova condenação de Lula poderia ocorrer mais rapidamente.
Ao reconhecer a incompetência, Fachin argumentou que há jurisprudência no Supremo no sentido de que a 13ª Vara Federal de Curitiba só deve julgar os casos da Lava Jato sobre ilícitos voltados exclusivamente contra a Petrobras. Por isso, entendeu que “não há correlação entre os desvios praticados na Petrobras e o custeio da construção do edifício ou das reformas realizadas no tal tríplex, em tese, feitas em benefício e recebidas pelo Paciente; nem, tampouco, vínculo inerente às imputações julgadas improcedentes”. Como os outros processos são correlatos, Fachin estende a declaração de incompetência para as outras ações penais de Lula.
Para Fachin, ao decidir pela incompetência, ele apenas mantém a jurisprudência da Corte sobre a interpretação da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba apenas para casos idênticos. Por outro lado, argumenta que se houver a declaração de suspeição de Moro, poderá haver a extensão a inúmeros casos sem a definição de critérios objetivos para outros casos da Lava Jato também julgados pelo magistrado.
O PGR recorreu da decisão. O relator, Edson Fachin, remeteu ao plenário o recurso, que deve ser julgado já na próxima semana.
O que é suspeição e implicações no caso Lula
Em relação à suspeição, Cappi afirma que a necessidade de o juiz ser imparcial não é prevista apenas no CPP, mas também na Constituição. “Como o juiz pode ser suspeito? No caso em que o réu é um parente seu, isso já é uma suspeição absoluta. O correto nesse caso, seria o juiz próprio se autodefinir como suspeito e este processo seria redistribuído para outro”, diz.
“Às vezes, pode acontecer de a suspeição ser relativa, quando acontece alguns atos durante o processo que podem levar a crer que o juiz deixou a imparcialidade de lado e por algum motivo está beneficiando algumas das partes, mantendo um contato que não seria correto e que poderia levar a um julgamento não justo dentro das regras do Código de Processo Penal”, explica.
Se reconhecida a suspeição de Moro nos casos de Lula, entretanto, a anulação dos atos do juiz deverá ser mais extensa. A defesa de Lula sustenta que o ex-juiz foi parcial em todo o processo, mesmo antes do recebimento da denúncia. Assim, caso a 2ª Turma acolha o pedido do petista, deve entender que todos os seus atos contaminaram o processo, que não teria sido justo, o que invalidaria inclusive os atos pré-processuais de Moro, na fase do inquérito.
Esta foi a linha de voto dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, proferidos na última terça-feira. Para os dois, Moro descumpriu o dever de imparcialidade, e por isso todas as suas decisões no caso do tríplex do Guarujá, incluindo os atos pré-processuais, devem ser anulados.
Caso este entendimento saia vencedor, Lula seria mais beneficiado: o juiz federal do Distrito Federal que ficará responsável por reiniciar os processos contra o ex-presidente não poderia usar nada do que foi usado no processo em Curitiba, tendo de determinar nova produção de provas e diligências, por exemplo. Com isso, o processo demoraria mais, com mais tempo até o eventual recebimento da denúncia e consequente sentença.
Mais tempo significa maiores chances de Lula não ser condenado em 2ª instância até as eleições de 2022, e também maior probabilidade de prescrição de boa parte dos delitos.
Mas um fato deve ser considerado. No atual HC da suspeição, tanto Gilmar Mendes quanto Lewandowski votaram para reconhecer a parcialidade e anular os atos de Moro somente no caso do tríplex. Para que a suspeição seja reconhecida nos outros casos em que Moro atuou – no sítio de Atibaia, Moro recebeu a denúncia, mas não o sentenciou –, é necessário um novo pedido da defesa de Lula. Assim, a anulação de todos os atos de Moro e a impossibilidade de um novo juiz reaproveitar provas só valeria, a princípio, para um dos casos. Para os outros três, permaneceria a decisão de Fachin. Ao menos por enquanto.
Por: HYNDARA FREITAS – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes, foi repórter no jornal O Estado de São Paulo. Email: hyndara.freitas@jota.info
Fonte:https://www.jota.info/stf/do-supremo/suspeicao-e-incompetencia-lula-moro-stf-16032021